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Tribunal Regional do Trabalho - 9ªRegião

Tribunal Regional do Trabalho 9ª Região

Página gerada em: 25/04/2024 19:54:36

"Não há necessidade de tratamento diferenciado, mas precisamos ser reconhecidas enquanto pessoas"

Notícia publicada em 10/03/2023

Gisele Alessandra Szmidt, primeira advogada transgênero a fazer uma sustentação perante o Supremo Tribunal Federal (STF), será uma das palestrantes do “Mulheres em Pauta”. O evento, alusivo ao Dia Internacional da Mulher (8/3), será realizado no dia 10 de março, na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR), em Curitiba.A advogada atuou diante dos ministros na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275 (ADI 4275), que reconheceu aos transgêneros, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil.

Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero (CDSG) da OAB/PR, Gisele Alessandra Szmidt, que atua na área criminal, destaca, na entrevista a seguir, o momento histórico de sua sustentação no STF e a importância do tema debatido. Discorre, ainda, sobre as atividades da CDSG, a precária situação das pessoas trans no mercado de trabalho, a instituição de cotas para esse público nas esferas pública e privada e as medidas governamentais necessárias para maior inclusão desse segmento. Por fim, a advogada adianta os temas que abordará no encontro “Mulheres em Pauta”.

 

- A senhora foi protagonista de um momento histórico: foi a primeira advogada transgênero no Brasil a fazer uma sustentação no plenário do Supremo Tribunal Federal. Gostaria que falasse sobre esse epiosódio.

Para mim foi um grande desafio, considerando que, à época, eu tinha apenas 3 anos de advocacia. Sou tímida e nunca tinha feito uma sustentação oral, mas me preparei muito e tive em mente que sustentar perante um Tribunal ou Suprema Corte é inerente à profissão de advogado e eu teria apenas que fazer meu trabalho. Acredito que foi uma oportunidade única e que me fez dar um salto gigante em meu desempenho enquanto advogada, justamente por ter feito a minha primeira sustentação oral no STF. Lembro que, no dia, havia muitas pessoas assistindo. Minha concentração foi extrema, considerando que o ambiente é intimidador por si só, e eu tinha a grande responsabilidade de estar defendendo uma ação tão importante, que pacificaria a questão do prenome e gênero das pessoas trans, que, por décadas, passaram constrangimento por não ter sua identidade respeitada. Era como se o destino dessas pessoas estivesse sobre meus ombros, e tinha que dar certo. De resto, a sensação de romper barreiras e de se superar é mágica: a experiência no STF me tornou forte.

- A senhora é a primeira mulher trans a presidir uma comissão na OAB do Paraná. Como atua a Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero (CDSG) da Ordem e quais são os objetivos e projetos desse grupo de trabalho?

As Comissões da OAB são organizadas por competência temática e têm o papel de assessorar a Diretoria e Conselho Seccional no cumprimento de seus objetivos institucionais. Desta forma, a CDSG tem atuado no sentido de observar, fiscalizar, organizar eventos e palestras, bem como oficiar casos de LGBT fobia ou colaborar para que haja promoção e defesa dos direitos da população LGBT. Como exemplo, tivemos, nos dias 13 e 14 de fevereiro, a votação, na Câmara Municipal de Curitiba, de um Projeto de Lei que veio do Poder Executivo que tinha o objetivo de criar o Conselho Municipal LGBT. A CDSG enviou ofício a cada vereador, expondo a importância do voto favorável ao Conselho. Além disso, fui fazer “advocacy” com os vereadores para pedir voto e estive presente nas sessões. Felizmente, o Conselho Municipal LGBTI foi aprovado, com 27 votos a favor e 7 contrários. Assim, Curitiba tem um importante e histórico avanço no que concerne aos direitos da população LGBT.

- Gostaria de algumas considerações sobre a situação das mulheres trans no mercado de trabalho. 

Caótica. Ouso dizer que não há mercado de trabalho para as pessoas trans, por vários motivos, a começar pela falta da capacitação profissional, por serem verdadeiramente expulsas do ambiente escolar pelo pesado “bulling” que recebem, mas, principalmente, pelo despreparo e pré-conceito que os contratantes têm em face de nós, pessoas trans. Questiona-se tudo, mas, principalmente, o uso de banheiros ou vestiários. A falta de trabalho deixa essa população extremamente hipossuficiente. Acaba adentrando em trabalho informal, tornando-se profissional do sexo, além de cometer crimes. De um modo ou de outro, acabamos ficando às margens da sociedade, pois, mesmo as pessoas trans que se qualificam profissionalmente, têm dificuldade em trabalhar e geralmente recebem menos pelo seu trabalho.

- Poderia fazer uma análise sobre a instituição de cotas para pessoas trans na esfera pública e privada.

Sou favorável, é fazer incidir o Princípio da Isonomia. Temos que tratar desigualmente os desiguais, na proporção de sua desigualdade. Não há outra maneira de reparar erros históricos ou inserir determinadas pessoas, minimamente, na estrutura social. Como assessora parlamentar na Câmara Municipal, escrevi um Projeto de Lei para que haja cotas para pessoas trans em concursos públicos e vagas de estágio do Município. A ideia partiu de mim e foi aprovada pelo Bloco PT/PV, então, começaremos os trâmites para que vá a Plenário. Se aprovado, será histórico.

- Quais seriam as medidas governamentais necessárias para maior inclusão desse segmento, visando à garantia de igualdade de condições com todos os cidadãos?  

O Estado tem que vir ao encontro dos princípios constitucionais e, incansavelmente, elaborar Políticas Públicas inclusivas, procurar visibilizar essa população, trazer o debate para o ambiente escolar, empresas e sociedade. O caminho para mudar o pensamento social e incluir é debatendo, educando e visibilizando. Afinal, 2% da população brasileira são compostos por pessoas trans e não binárias, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Então, é inaceitável, em um processo civilizatório, que o Brasil seja o país que mais assassina pessoas trans no mundo e que nossa expectativa de vida seja de 29 anos!

- No mês de celebração da mulher, qual é a sua mensagem voltada especificamente ao reconhecimento do direito à igualdade de tratamento às mulheres trans? Há alguma necessidade de tratamento diferenciado?

Que nos respeitem e tenham empatia conosco. Não há necessidade de tratamento diferenciado, mas precisamos ser reconhecidas enquanto pessoas e não aberrações ou objetos sexuais.

- O que a senhora abordará no evento Mulheres em Pauta, no TRT-PR?

Quero trazer os conceitos básicos para entendimento da existência LGBT, que são sexo, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, pessoa trans e pessoa cisgênera. 

Explicar o que foi a ADI 4275 e como mudou o cenário da existência trans do Brasil - já que a decisão foi histórica e de vanguarda – e informar os avanços que conquistamos. Pretendo fazer uma espécie de capacitação para habituar as pessoas ao tema e compartilhar minha trajetória.