"A sociedade acredita na Justiça do Trabalho", diz presidente do TRT-PR
Se tivesse de responder a alguém que defende o fim da Justiça do Trabalho usando como argumento o alto número de processos trabalhistas, o presidente do TRT da 9ª Região, Arion Mazurkevic, faria uma comparação. "Se existem muitos doentes e os hospitais estão superlotados, o problema são os hospitais?", diz Mazurkevic. "Não. O problema é que as pessoas adoecem."
Logo, a Justiça do Trabalho existe porque existem conflitos trabalhistas. Se não houvesse conflitos, ela seria desnecessária. Hoje, porém, esse número de processos mostra o quanto a sociedade acredita nesse ramo do Judiciário.
Na entrevista a seguir, feita no gabinete da presidência, no 12º andar do Edifício Rio Branco, em Curitiba, Mazurkevic fala sobre a importância das pessoas que constituem o tribunal, detalha planos para dar boas condições de trabalho a magistradas(os) e servidoras(es), e reconhece qual é hoje o maior desafio da justiça trabalhista.
O que o senhor diria para alguém que defende o fim da Justiça do Trabalho?
Existem pessoas que criticam o número de processos trabalhistas. Mas esse número mostra o quanto a sociedade acredita na Justiça do Trabalho. Existe um problema social que está por trás desses processos.
O ponto de origem dessa quantidade assombrosa de processos não está na Justiça do Trabalho, está na sociedade. E sempre faço uma comparação: se existem muitos doentes e os hospitais estão superlotados, o problema são os hospitais? Não. O problema é que as pessoas adoecem.
Se nós acabarmos com o conflito trabalhista, aí não faz sentido que exista uma Justiça do Trabalho. Mas, se esse volume de ações existe e continua a crescer apesar das medidas de contenção, significa que existe um problema social, que existem conflitos.
É claro que o sistema da Justiça do Trabalho, como tudo que envolve o ser humano, pode ter problemas e equívocos. O aprimoramento de todas as instituições públicas é essencial para a evolução da sociedade. Nós precisamos conviver com os problemas e crescer com eles.
O senhor defende a importância das pessoas que constituem e constroem o tribunal. Como essa ideia vai orientar sua gestão?
Nossa ideia é construir um canal de diálogo com servidoras, servidores, magistradas e magistrados, por meio do qual eles poderão relatar as dificuldades enfrentadas e também participar da construção de soluções. O reconhecimento daqueles que se dedicam a prestar um serviço de qualidade também é importante. Acredito que, na Justiça do Trabalho, esse empenho, essa dedicação para prestar um bom serviço ao cidadão, é algo que se destaca. Nosso dever é dar boas condições de trabalho para essas pessoas.
O senhor poderia citar um projeto que vai colocar essa ideia à prova?
Nos últimos anos, estudei e refleti muito sobre a evolução da democracia, sobre suas dificuldades e seus avanços. E fica claro que a democracia representativa é imperfeita. Porque, muitas vezes, quem é escolhido para representar as pessoas age por interesse próprio em vez de defender os interesses de quem o escolheu.
Isso me fez ver que um dos caminhos para uma democracia mais efetiva é ouvir as opiniões e sugestões das pessoas que sofrem os efeitos das decisões que são tomadas. Uma das minhas prioridades será escolher magistradas ou magistrados em várias regiões do Paraná que possam atuar como porta-vozes da administração, tanto para levar informações, como para receber as demandas e provocar o debate na construção de soluções.
Existe, nas Resoluções do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], a figura do juiz de colaboração. Atualmente, temos o juiz de colaboração, mas ele atua na relação com outras instituições. A minha ideia é que existam juízes de colaboração administrativa e judiciária que representem a administração do tribunal no Paraná inteiro. Eles terão o papel de ouvir servidores e magistrados para debater as soluções propostas e serão também interlocutores da administração.
Nesse contexto, penso que a comunicação é um dos elementos-chave para desenvolver essa relação de ouvir e ser ouvido. Em um grupo de estudos que criei para debater o sistema de gestão do poder judiciário, com a participação de vários juízes e servidores, ficou muito clara a necessidade de aperfeiçoar a comunicação no nosso Tribunal.
Quais são suas ideias para a comunicação do tribunal?
Quando entrei no tribunal como servidor – isso foi em 1984 – o tribunal era muito pequeno e a comunicação já existia. Nós recebíamos toda semana um clipping: um servidor do tribunal pegava jornais e revistas, recortava e colava as notícias em folhas de papel e fazia cópias. Ele distribuía esse material em todos os setores do tribunal. A gente ficava esperando e queria ler para saber das notícias, principalmente porque era um apanhado de vários jornais.
Hoje, nós temos acesso a muito mais informações. Pelo celular a qualquer hora, pelos jornais, pelas mídias sociais... Recebemos dezenas de e-mails todos os dias, do tribunal e de fora também. Há um excesso de informações. O que acontece é que não conseguimos assimilar tudo. E muitas vezes as informações do tribunal são excessivas e não destacam o que é efetivamente relevante. Daí você acaba não conseguindo dar conta de tudo e descarta informações, inclusive as importantes.
Minha preocupação é encontrar uma forma de comunicação com quem trabalha no tribunal que tenha qualidade, que deixe claro quando uma informação é importante. Isso vai depender de um trabalho de classificação e seleção. Hoje, nós não podemos perder tempo. Recebemos dezenas de e-mails por dia e, com frequência, não fica clara a informação que está sendo passada. Então penso que o tribunal pode e deve qualificar a informação de modo que a pessoa que receber uma mensagem do tribunal saiba que aquilo é importante, que tem relevância. Essa é a minha ideia. Se eu conseguir chegar pelo menos perto disso, vai ser uma realização.
Isso tem a ver também com a proposta da linguagem simples, não?
Essa proposta nasceu no Supremo Tribunal Federal e foi adotada com bastante veemência pelo desembargador Célio [Waldraff, ex-presidente do Tribunal e atual ouvidor], precursor dessa proposta no nosso tribunal. Vejo que esse é um caminho do Poder Judiciário para se comunicar com a sociedade e também uma forma de tornar as informações mais acessíveis, inclusive internamente.
A proposta é trocar a linguagem rebuscada, muito comum no poder judiciário, por uma linguagem mais limpa, mais transparente e mais objetiva para quem precisa das informações. E o fato de você transmitir a ideia de forma simples e clara não é uma desqualificação do interlocutor ou da pessoa que está transmitindo a ideia. Muitas vezes, traduzir um tema complexo e técnico numa linguagem acessível é muito mais difícil do que simplesmente reproduzir termos de difícil compreensão.
Para o senhor, qual é o maior desafio do tribunal hoje?
É mostrar a importância da Justiça do Trabalho na manutenção de uma sociedade saudável. Acho que esse é o nosso grande desafio. Porque, antes, a sociedade tinha essa percepção e me parece que isso foi se perdendo. Hoje é comum ouvir que a Justiça do Trabalho é desnecessária, que ela só protege o trabalhador e persegue os empregadores.
Acho que isso é um grande equívoco e quem pensa assim ignora o efeito que a sua extinção teria na sociedade. Basta ver a história da humanidade e o grau de evolução que se conseguiu quando as relações de trabalho foram reguladas. Hoje, isso é combatido como se fosse um protecionismo exagerado, como se a magistratura do trabalho estivesse equivocada e superada.
Se não existisse um Poder Judiciário para defender condições dignas de trabalho, a ordem social sofreria um retrocesso.
Texto: Ascom
Foto: Luiz Munhoz/Ascom