Aguarde...
Tribunal Regional do Trabalho - 9ªRegião

Tribunal Regional do Trabalho 9ª Região

Página gerada em: 19/04/2024 22:59:19

Entrevista: Professores de Direito da Espanha

Notícia publicada em 23/06/2010

Professores espanhóis participam de Seminário Internacional no TRT-PR


Começa às 19h desta quarta-feira, 23, o “Seminário Internacional Trabalho e Constituição – Comemorativo aos 90 anos da Constituição de Weimar: O Direito do Trabalho e as Crises Capitalistas”. O Seminário é uma promoção da Escola Judicial do TRT-PR em parceria com a Associação dos Magistrados do Trabalho da 9ª Região (Amatra-IX) e o Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil. As palestras serão exibidas, ao vivo, no endereço www.unibrasil.com.br/tvexperimental .

Entre os convidados estão os professores de Direito da Universidad de Castilla La Mancha, na Espanha, Francisco Trillo Parraga, Joaquín Aparício Tovar e Joaquín Perez Rey. Na entrevista abaixo, os professores Francisco Trillo Parraga e Joaquín Aparício Tovar antecipam a abordagem que farão, nesta quinta-feira, no evento:


Joaquín Aparício Tovar

O título do seminário é o estudo da influência de Weimar no mundo atual e essa é uma ideia muito boa porque a Constituição de Weimar está na origem do estado social e democrático do direito. Portanto, está também na origem de uma construção do direito do trabalho que dirigirá os trabalhadores. Ademais, Weimar surgiu num momento de crise, forte situação de desemprego, crise econômica, crise política. Portanto, a contribuição de Weimar pode ser muito interessante, vista a importância histórica de crises como essa atual. Isto como ideia geral. Em concreto, a mim encarregaram de falar das empresas transnacionais e da aplicação dos princípios sociais do estado democrático de direito surgidos em Weimar. Porque hoje o mundo não é o de Weimar. Foi interessante porque ocorrido há um tempo. As condições de hoje se resumem na palavra globalização. Dentro do fenômeno da globalização também há fenômenos que são interessantes. Uma característica desse mundo é que o poder dos estados não é esse que existia àquele outro tempo. Em certa medida a adoção de medidas políticas e econômicas dos estados não podem se fazer com autonomia e exercício dos poderes soberanos que em outra ocasião se podia. Porque as correntes, os fluxos econômicos supranacionais, condicionam fortemente as políticas de cada um dos estados. Nesse sentido, há que destacar entre os atores importantes as empresas transnacionais. Empresas que, sim, têm origem em algum estado e se repartem em atuações pelo mundo onde operam com distintos ordenamentos jurídicos e por vezes são capazes de jogar com as regras de trabalho em baixa.
- Vou àquele que dê menos proteção aos trabalhadores.
- Vou àquele país e fico naquele país se o governo me dá certas vantagens fiscais, se não, vou embora.
Surgiu, ultimamente, um movimento de responsabilidade social das empresas que implicam na preocupação da própria empresa por cumprir certas regras ambientais, laborais e também diríamos mais relativa às comunidades sociais. O problema é até que ponto essas regras são exigíveis e se isso tem sentido, caso houvesse uma aplicação das ideias de Weimar de que o direito e a economia devem estar a serviço do bem comum, a dizer, em uma interpretação social da propriedade que não é ilimitada. Isto mudou hoje em relação ao equilíbrio de Weimar. O Estado é potente em relação às empresas menos potentes. Porém, agora as empresas são muito potentes. Não é que o Estado tenha perdido potência, porém não tem a mesma capacidade de regulação que tinha em outro tempo. Sobre isso falaremos.


Francisco Trillo Parraga
O título de minha intervenção é a função econômica do direito do trabalho e de uma leitura desde a Constituição de Weimar. É certo que o momento atual é de crise econômica e de uma crise econômico-financeira. É um momento interessante. Duro, porém interessante no sentido de que se estão alterando os equilíbrios entre política e economia como bem dizia o professor Aparício. Um sentido onde há um predomínio da economia sobre a política onde a soberania popular fica bastante diminuída. Isto obviamente se manifesta no âmbito do direito e concretamente no âmbito do Direito do Trabalho. Esta tendência obviamente se expressa através de uma certa técnica de flexibilização das relações laborais de onde se concede uma maior unilateralidade ao empresário e a fixação não somente das condições de trabalho senão da contratação de trabalhadores e da sua despedida. Nesse sentido a recuperação desse momento atual quase anterior a Weimar, onde o empresário não era o único a fixar essas condições. Precisamente essa função econômica do direito econômico pretende restaurar o equilíbrio através de uma distribuição da renda no âmbito dessa relação. E desse ponto de vista aparece como um olhar muito interessante que tampouco se pode extrapolar, posto que, como se disse agora mesmo, o momento político, econômico e social não é exatamente o mesmo. E a minha intervenção tratará de examinar um pouco qual terá sido o comportamento da crise e essa alteração no mundo do direito e a capacidade para formar o que nos ensina o direito de Weimar. De um Direito do Trabalho e um direito geral de emancipação e não protetor, para um completamente emancipado.


HOJE, AINDA HÁ EQUILÍBRIO DO TRABALHO NA RELAÇÃO COM AS EMPRESAS. NO BRASIL, OS ENCARGOS SOCIAIS SÃO CONSIDERADOS MUITO ALTOS. HÁ AINDA UMA POSSIBILIDADE DO ESTADO MANTER SUAS DISPOSIÇÕES DIANTE DAS EXIGÊNCIAS DAS EMPRESAS?


Joaquín Aparício Tovar
Esse é um debate muito antigo. Porém, é verdade que se coloque assim. A empresa diz: eu tenho que fazer minhas contribuições, digamos, fiscais em sentido amplo da palavra e também as obrigações salariais. Porém, temos que ver duas coisas: as obrigações fiscais ou tributárias normalmente estão dirigidas a manter um sistema de seguridade social que é uma forma de garantia da existência frente os escalões de necessidades. Alguns entendem que esses são salários diferidos. Esse é um custo da força de trabalho que se há que pagar depois e não quando se está enfermo. O grande problema que se estabelece surge em Weimar e se aplica a toda a Europa depois da segunda guerra mundial. O que fazemos com os enfermos? O que fazemos com os desempregados que fazemos com os anciãos, que fazemos com os órfãos? Os abandonamos à sua sorte? Deixamos que morram de fome pelas ruas? Haverá que buscar uma solução. As soluções são muito claras. Por um lado, a caridade. Deixemos que a gente, a caridade pública lhes ajude. Deixemos que os grupos familiares, que os pais, se ajudem entre si, o que ocorre no campo, porém não nas cidades, obviamente. De todas as formas, os pobres não podem ajudar muito a outros mais pobres. Porque senão como ficam? Tem que ser o Estado. Tem que ser um sistema de seguridade nacional que garanta a existência decente a todos os membros da comunidade nacional, a comunidade política, porque isso significa cidadania e integração. E essa experiência a Europa viveu. Vivemos um extremo de falta de atenção maior ou menor em todos os países. A Espanha é um exemplo. Na Espanha do tempo do franquismo, o sistema de seguridade social era muito pequeno. Existia, mas não era muito desenvolvido. Não protegia muito. Com a democracia, o sistema de seguridade social praticamente teve uma cobertura universal. Com seus defeitos, mas foi um grande avanço. Se compararmos a Espanha dos anos 1950 com o Chile de 1950, ou a Argentina dos anos 1950, ou mesmo Costa Rica, tinham um sistema de seguro social quase melhores que o espanhol. Sem embargo, as políticas das empresas multinacionais do FMI e consenso de Washington, os levou a praticamente acabar com os sistemas de proteção e seguridade social. O Brasil, incluído, está bastante pobre, todavia para uma população como a que tem. E definitivamente, todas as empresas dizem o mesmo: Temos que pagar muitos aportes ao Estado para garantir o sistema, isso é muito caro, vou para outro lugar. Claro podem fazer isso em algum caso. Isso é um equilíbrio difícil. Agora mesmo na Espanha estão dizendo. Com a crise, dizem, o governo está exigindo demais. Na Espanha as empresas entregam para a seguridade social 24% do salário de cada trabalhador. Se o trabalhador ganha 100, a empresa deve dar 24 para seguridade social. 100 para o trabalhador, 24 à seguridade social e 4 o trabalhador dá para a seguridade social. As empresas dizem que isso deve ser baixado. De fato lhes baixaram. Hoje está em 24, há pouco estava em quase 26. Um pouquinho, lhes baixaram. Sempre lhes estão pedindo que lhe baixem, que lhe baixem, que lhe baixem.

A pergunta é essa. Que fazemos com os pobres? Esta a segunda parte. O Estado deve administrar bem os seus recursos. Não deve haver corrupção. Deve haver uma gestão eficaz do sistema de seguridade social. Não se deve perder, digamos, esse recurso. Porém isso se está se fazendo bem. De fato se faz. O caso da Espanha, por exemplo, é claríssimo. A seguridade social é modelar. Custa muito pouco. Custa praticamente cinco ou seis por cento de seu orçamento da sua própria administração. Tem que se levar em conta que o orçamento da seguridade social é praticamente igual ao orçamento do resto do Estado. Porque numa parte está tudo o que gasta o Estado em estradas, militares, educação, aeroportos, funcionários, justiça, e outra parte à seguridade social. Mais ou menos ou um pouquinho menos, porém não muito menos. E administrar todas essa enorme massa de patrimônio custa muito pouco. Com uma boa administração se pode fazer. O problema é sempre o que fazemos com a gente, com os indivíduos, com os cidadãos. É claro que as empresas ameaçam. Sempre ameaçam. O problema é manter um consenso universal. Certos valores. E é difícil. Sei que é muito difícil. Se uma empresa abandona um país...Imaginemos que a Renault abandona o Brasil, gera muitos desempregados. Isto é complicado não? Porém também a Renault tem benefícios no Brasil. Evidentemente. Saiba-se que se vai embora do Brasil podemos ter em um instante os carros da Renault no Brasil. Que os fabriquem em Madagascar, mas não nos passe a vender no Brasil, por exemplo. Mas o Estado tem outros mecanismos para lutar. 


HÁ UMA LIMITAÇÃO DOS PODERES DA EMPRESA QUANDO ELA TEM QUE CONTRAPESAR OS CUSTOS DECORRENTES DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA?


Joaquín Aparício Tovar
Os poderes se podem contrapesar porque tudo isso se passa, falamos a princípio, na liberdade do comércio. As empresas dizem isso, porque antigamente havia em Weimar, o Direito do Trabalho que era um direito nacional, porém também o direito mercantil era nacional. Havia a unidade de mercado. Todos que vendiam produtos na Alemanha tinham as mesmas regeras para produzir os produtos. O direito do trabalho era o mesmo para todos e todos vendiam na unidade de mercado alemã. Se vendiam fora da Alemanha, tinham que pagar impostos. Porém se alguém vendia produtos ingleses, por exemplo, na Alemanha, também tinham que pagar impostos. Progressivamente foram desaparecendo as tarifas, as barreiras aduaneiras e se fala de um certo nível de comércio mundial onde estão as  empresas. Hoje elas dizem: Eu opero com umas regras da produção de um país que são muito baixas, porém exijo usar as regras de distribuição de outro país. O mercado global para as mercadorias, porém mercado local para o trabalho. Devemos dizer que também para o trabalho o mercado deveria ser global.


Francisco Trillo Parraga

Sim, é certo que o discurso pela flexibilização é um discurso que é real, porém é um discurso que é altamente ideológico. É real desde o momento em que sabemos que as empresas necessitam de certa dose de flexibilidade para ajustar as demandas de mercado aos sistemas produtivos. Também é certo que por trás do debate sobre a flexibilidade laboral, se esconde um debate empresarial que é um modelo, uma forma de produzir que tende a baixar o benefício, a taxa de ganho e o empobrecimento das condições de trabalho. O debate é real, porém também é um debate interessado, de tal forma que o compromisso da intervenção do estado através precisamente do direito do trabalho deve ser esse. Canalizado ao sistema social europeu, um modelo de direito de trabalho mais europeu, através da negociação coletiva. Diante das necessidades empresariais não se podem ocultar frente às próprias organizações sindicais que compartem o setor, a atividade econômica, o próprio acontecer produtivo. A empresa obviamente sabe perfeitamente quais são as suas necessidades. Assim, mais ao nível de política econômica é certo que esse debate, nós vimos na Europa, é um debate muito interessante. E pondero um exemplo muito concreto que é o exemplo espanhol. O exemplo espanhol da crise é uma crise que livremente não terá muito mais força na Espanha, porque, além da crise financeira, tem que ver com um setor e com uma economia baseada quase 80% na construção civil. Quando esse setor da construção tem um problema de superprodução e já não tem possibilidade de vender esse produto o mercado se satura e obviamente cai. Então digamos que a recuperação econômica na Espanha passa em primeiro lugar por uma reforma empresarial de modelo produtivo para diversificar e para ofertar uma alternativa para essa forma de produzir. Nesse sentido, o discurso empresarial fica mais próximo a essa flexibilização laboral quando relaciona o Direito do Trabalho com a criação de emprego, olvidando, portanto essa reforma empresarial e essa reforma do modelo produtivo. E em que se baseia a parte desse rebaixamento das condições sociais nesse primeiro debate a que se refere o professor Aparício? Baseia-se precisamente na flexibilização das condições de trabalho, na capacidade unilateral da empresa de fixar jornada, de fixar horário de trabalho, de trocar os trabalhadores de função ao seu interesse, de saber onde se encontram os interesses profissionais do grupo de trabalhadores e na capacidade de despedir livremente, sem nenhuma causa. Na realidade, por que também o Brasil fez isto muito bem, nem uma despedida, digamos, quase “ad nutum”, nem uma despedida livre tampouco. Creio que isso reforça a necessidade de criar emprego. Criar emprego, depende de uma série de variáveis e fatores que nada ou pouco tem que ver com as condições de trabalho e as condições mundiais. Portanto, a flexibilidade se é uma realidade, há que estar muito atenta a esse discurso mais ideológico, mais interessado que tem que ver com um modelo produtivo que se faz a custo do rebaixamento das condições de trabalho.


A ESPANHA ESTÁ PASSANDO POR UMA TRANSFORMAÇÃO NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. QUAL É ESSA REALIDADE? PODERÁ TER ALGUMA INFLUÊNCIA NO BRASIL?


Francisco Trillo Parraga

Diria que num mundo globalizado, sem querer fazer às vezes de um guru econômico e, portanto, de adivinho, num mundo globalizado é certo que as relações daquilo que acontece num determinado espaço geopolítico tem sua repercussão por força, antes ou depois, no resto do mundo. Nesse sentido não sei até que ponto ocorrerá essa afetação, porém, de qualquer forma, o momento que atravessa a Europa em geral e o resto dos países europeus, Grécia, Itália, França e a própria Alemanha, obviamente terá suas conseqüências. Sem embargo, penso que há grandes diferenças entre nossas economias. A nossa tem estado muito financiada. Creio que a economia geral da América Latina é uma economia que nós chamamos de economia real, baseada na produção de bens e serviços.   Portanto se bem que há relações, também creio que há diferenças para que tampouco tenha que adentrar nos efeitos devastadores que hoje estão ocorrendo na Europa. Conforme se referiu o professor Aparício, a reforma laboral espanhola está concentrada em determinados lobys econômicos, concretamente o FMI e o Banco Central Europeu. Porque digo isso, porque o governo Sapatero é um governo que quando irrompeu a crise, se coloca num posicionamento onde seu grande lema é: não será cortado nenhum dos direitos dos trabalhadores. Portanto, os trabalhadores não pagarão a crise econômica. Na realidade nós acreditamos nesta idéia e creio que o próprio governo Sapatero do partido socialista espanhol também acredita nessa possibilidade. E desde a reunião de Davos, na Europa, Sapatero aparece na Espanha com o nome “privado de voluntano”, não é dono de seus atos, e inicia uma reforma que em primeiro lugar sinaliza uma possibilidade de reforma do sistema de pensões e, em segundo lugar, e isso é uma realidade, uma revolução de gasto público, baseada principalmente na redução salarial dos empregados públicos, no congelamento de pensões e na ajuda a pessoas dependentes. Em última instância, aparece a necessidade dessa reforma laboral, perdendo de vista completamente um debate muito importante, muito rico que havia sido gerado sobre a necessária reforma empresarial através da troca do modelo produtivo e se centra unicamente na reforma laboral. Nesse sentido, a reforma laboral tem três eixos muito claros. Um tem que ver com o mercado de trabalho espanhol altamente segmentado, fruto de políticas públicas de emprego baseada na criação de emprego ainda que com força de caráter temporal e, portanto, “descausalização” absoluta da contratação, sejam permanentes ou temporais. Nesse sentido se tentou, creio que não com muito êxito, por remédio a essa segmentação do mercado de trabalho. Isso quanto à entrada na relação laboral. Um segundo grande bloco tem a ver com a capacidade no desenvolvimento da relação laboral, de fixar unilateralmente as condições de trabalho na empresa. Isso, mais além, significa deixar nas mãos do empresário, unicamente, a fixação das condições de trabalho inclusive o salário, tempo de trabalho, funções, etc. Quer dizer, em definitivo, alterar um sistema, um modelo de Direito do Trabalho onde a negociação coletiva era a fonte primordial da fixação das condições de trabalho. É, portanto, de alguma forma, um ataque às organizações, às organizações sindicais. E por último, na saída da relação laboral, o que se fez foi “descausalizar” ao máximo a despedida, sobretudo a despedida objetiva, e baixar as indenizações com uma idéia de que quando o empresário despede sem causa, de forma injustificada, o custo dessa indenização não saia só do empresário, mas seja socializado. No Brasil existe um fundo de garantia do tempo de serviço. Nós pretendemos criar uma coisa muito básica que é fundo de capitalização frente às despedidas. Nesse sentido se pretende a socialização na medida de uma ação justificada do poder privado da empresa.

LEIA MAIS: Seminário discute Direito do Trabalho e crises

(Texto: Flaviane Galafassi e Nelson Copruchinski/ Fotos: Thyrza Wolk)

Assessoria de Imprensa do TRT-PR
(41) 3310-7313
imprensa@trt9.jus.br